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Nem toda universidade deve, e consegue, fazer de tudo

Como China, Canadá e Austrália, Brasil deveria criar grupos de instituições com diferentes missões

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Rio de Janeiro

Pelas normas da educação superior, as universidades brasileiras devem ser todas iguais. Acontece que, na prática, essas instituições são bem diferentes entre si —o que tem de ser considerado pela política do setor.

Explico. Uma instituição centenária como a USP —líder no RUF 2023— tem questões muito distintas do que, por exemplo, universidades jovens e distantes de grandes centros. E isso precisa ser levado em conta, como já acontece em uma série de países.

No ranking deste ano, no mesmo grupo da USP, um total de dez universidades públicas se mostraram especialmente intensas em pesquisa. Cientistas vinculados a elas publicaram pelo menos 10 mil artigos no período de 2016 a 2020.

São instituições estaduais paulistas e federais com mais de 50 anos localizadas no eixo Sul-Sudeste (a exceção é a UnB, do Centro-Oeste). Fazem muita ciência —e ajudam a colocar o Brasil entre os maiores produtores de pesquisa científica do mundo.

Essas universidades, aliás, sempre estiveram no topo do RUF desde a primeira edição do ranking, em 2012, em uma espécie de alternância.

Estamos falando de USP, Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e Unesp (Universidade Estadual Paulista) e de pelo menos seis federais, UFRJ (Rio de Janeiro), UFMG (Minas Gerais), UFRGS (Rio Grande do Sul), UFSC (Santa Catarina), UFPR (Paraná) e UnB.

São essas, afinal, as nossas "universidades intensas em pesquisa". Essa definição existe na China desde 1998, com a criação, pelo governo, da Liga das 9 (C9 League, em inglês). É um grupo de instituições públicas que recebe aportes especiais para fazer pesquisa de ponta altamente internacionalizada.

No C9 chinês estão as universidades de Pequim, Jiao Tong de Shangai, Tsinghua e Fudan, que, não por coincidência, também estão entre as 50 melhores universidades do mundo no último ranking internacional THE (Times Higher Education). Isso é resultado das políticas voltadas para elas.

Em 2012 a Jiao Tong de Shangai estava no grupo de universidades na posição 301º - 350º no THE. Agora, está em 43º lugar no mundo.

Mesma coisa acontece na Austrália, com o chamado Grupo de Oito (Go8), criado em 1999 com universidades como as de Melbourne, Queensland e Sidnei.

O Go8 recebe mais de 70% do financiamento à pesquisa daquele país e produz quase toda a ciência australiana de excelência (com grande impacto acadêmico e alta colaboração internacional). O foco é, sobretudo, a área médica e de serviços de saúde.

Já no Canadá a criação do grupo U15 —de 15 universidades, incluindo Alberta e Colúmbia Britânica— foi mais recente e partiu de uma iniciativa das próprias instituições.

O U15 recebe quase 80% dos investimentos em pesquisa do Canadá e se une em torno de pautas comuns.

Por exemplo, defende coletivamente o investimento público em ciência junto a formuladores de políticas públicas —ótima ideia para as oito ou dez universidades brasileiras intensas em pesquisa.

Outra proposta seria intensificar a ciência de quem está bem próximo dos 10 mil artigos científicos publicados de 2016 a 2020 —caso das federais de Pernambuco e do Ceará— para, justamente, incluí-las no grupo de universidades intensas em pesquisa.

Na contramão, o RUF deste ano mostra que mais de 20 universidades brasileiras não conseguiram chegar ao patamar de cem artigos publicados no período analisado.

São instituições públicas e particulares, sobretudo jovens, localizadas em regiões como o agreste de Pernambuco, o coração de Mato Grosso ou a região tocantina do Maranhão.

Pela legislação vigente, as universidades brasileiras têm de fazer ensino, pesquisa e extensão na mesma proporção —e devem ter um número mínimo de cursos de graduação e de pós (mestrado e doutorado), com pelo menos um terço dos docentes em período integral. Isso vale para todas as mais de 200 instituições.

Uma universidade jovem e distante de um grande centro tem de fazer ciência com a mesma intensidade que a USP?

Ou deveria compor outro conjunto com foco, por exemplo, na formação de pessoas —e com indicadores que considerem o impacto dessas escolas no seu entorno?

A mesma lógica se aplica às universidades privadas. Com exceção, por exemplo, das PUCs (Pontifícia Universidade Católica) do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul —que passaram de 3.500 artigos científicos publicados no período analisado pelo ranking—, a imensa maioria das particulares têm foco em ensino. Patinam para manter programas de doutorado e para fazer pesquisa.

E isso não precisa ser um problema.

Nenhum país do mundo tem mais de 200 universidades intensas em pesquisas como a USP, mas pode, sim, ter universidades de excelência com diferentes missões.

Avaliações como o RUF jogam uma luz no retrato real do ensino superior —que, muitas vezes, escolhemos não enxergar.

Agora que estão às claras, os dados podem, afinal, ser usados para definir estratégias voltadas à diversidade das nossas instituições.

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