A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) terá uma dura tarefa em 2020: gerenciar o menor orçamento dos últimos dez anos com um volume total de alunos 40% superior. A instituição está entre as dez melhores nos quesitos internacionalização, pesquisa e ensino, sendo a 7ª colocada no ranking geral do RUF 2019.
Com excelência em áreas como engenharia, farmacologia e química, a universidade começou há uma década a se expandir pelo estado. Hoje tem 36 mil alunos matriculados na graduação e na pós. Para se ter uma ideia, o número de refeições servidas no restaurante universitário aumentou 200% em dez anos.
No entanto, a falta de recursos assusta professores, que temem pelo fechamento de campi, trancamento de pesquisas e sucateamento da estrutura se o Projeto de Lei Orçamentária 2020 (Ploa) for aprovado sem alteração.
O primeiro orçamento do governo Bolsonaro saiu do Ministério da Economia no final de agosto e ainda está em discussão no Congresso. Segundo a Secretaria de Planejamento e Orçamento da UFSC, para o ano que vem estará disponível uma verba discricionária de custeio (que a instituição tem autonomia para gerir) de R$ 85 milhões.
De acordo com o Ministério da Educação, as verbas discricionárias que estarão disponíveis em 2020 somam R$ 150 milhões. No entanto, dentro deste montante há valores que, na visão de técnicos da UFSC, são despesas sem a possibilidade de remanejamento por parte da instituição federal.
Em 2010, o dinheiro encaminhado por Brasília para pagar itens básicos como água, luz, limpeza e segurança foi de R$ 89,2 milhões, valor que, reajustado pela inflação oficial do período, equivaleria hoje a cerca de R$ 149 milhões.
O desafio será encaixar o orçamento menor em uma realidade bem diferente daquela de dez anos atrás.
Em uma década, a instituição criou 27 cursos de graduação, quase dobrou o número de pesquisas e ações de extensão, além de ter montado quatro novos campi (Joinville, Curitibanos, Blumenau e Araranguá).
“Em 2020 será difícil, pois a previsão é de um corte de 40% em comparação com 2019. Não é possível manter o ritmo de crescimento com o governo reduzindo orçamento”, explica o secretário de planejamento e orçamento da UFSC, Vladimir Arthur Fey.
O receio de sucateamento da universidade assusta professores. A queda na produtividade científica e em rankings universitários futuros é inevitável, na opinião de docentes ouvidos pela Folha.
Raquel Kuerten de Salles, pesquisadora e professora do curso de Nutrição, diz que nunca foi fácil fazer ciência no país, com dinheiro contado para insumo e equipamento.
Ela inventou um sorvete capaz de reduzir efeitos da quimioterapia. Testado em pacientes oncológicos do Hospital Universitário, o complemento alimentar e anestesiante sensorial é agradável ao paladar. Ele foi patenteado e é vendido por uma marca que emprega funcionários na região.
“Não conseguiríamos fazer qualquer coisa se não tivéssemos a retaguarda de alunos bolsistas. É esse dinheiro que está acabando. Não sabemos onde vamos parar com esses cortes”, diz a pesquisadora.
Outro assustado com a situação é João Batista Calixto, um dos nomes que ajudou a transformar o laboratório de farmacologia da UFSC em referência no Brasil.
Estudioso da erva-baleeira, de propriedades anti-inflamatórias, ele liderou a equipe que fabricou o primeiro remédio do tipo 100% brasileiro, feito com base em pesquisas nacionais.
Calixto também dirige o centro de inovação, financiado pelos governo federal e estadual, em um esforço de estudar a biodiversidade e diminuir a dependência de insumos importados para fabricação de remédios.
“A universidade precisa de gestões melhores, se aproximar do setor produtivo, formar alunos empreendedores. Mas nenhum país conseguiu vencer essa etapa de mudança no patamar do conhecimento e da inovação sem recurso do estado”, diz.
Em nota, o Ministério da Educação afirma que “universidades federais recebem recursos públicos de acordo com suas características acadêmicas e administrativas, conforme critérios da matriz orçamentária estipulados em decreto específico”.
Segundo o MEC, os recursos são enviados às reitorias que, no âmbito da autonomia administrativa e de gestão orçamentária, financeira e patrimonial que têm, realizam a aplicação dos recursos. “Este Ministério, após efetuar liberação orçamentária, não possui ingerência sobre processos de pagamentos que estejam a cargo de suas unidades vinculadas”, conclui a nota.
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