Entre universidades particulares, religiosas lideram ranking de pesquisas

Instituições tradicionais contratam professores em tempo integral e firmam parcerias internacionais

Danae Stephan
São Paulo

O contingenciamento das verbas de educação pelo governo federal neste ano fomentou uma discussão sobre a produção científica das universidades privadas.

Em abril, o presidente Jair Bolsonaro colocou lenha na fogueira ao declarar que quem faz pesquisa no Brasil são as universidades privadas.

Os dados não embasam a declaração: mais de 95% das pesquisas do país são feitas por instituições públicas, segundo estudo da Clarivate Analytics para a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).

Apenas quatro particulares estão entre as 50 instituições de maior destaque na área, de acordo com o RUF (Ranking Universitário Folha) 2019. Com uma característica em comum: são todas confessionais ou religiosas.

No topo da lista, na 19ª posição geral, estão empatadas as PUCs Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. O Mackenzie aparece na 68ª posição geral, 10ª entre as instituições privadas.

“São instituições criadas nos anos 1950 e 1960 com todas as características de universidades públicas e que podem se dar ao luxo de pagar parte do custo envolvido”, diz Elizabeth Balbachevisky, coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Políticas Públicas da USP (Universidade de São Paulo).

Mas a falta de pesquisa não é nenhum demérito para as particulares, de acordo com Helena Sampaio, professora da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas)

“É assim praticamente no mundo inteiro: as particulares são concebidas como universidades de ensino, de formação para o mercado”, diz.

O setor privado responde por 75% da demanda do ensino superior. “Temos quase 200 instituições, cerca de metade delas particulares. É muito querer que todas elas façam pesquisa”, afirma Helena.

Além disso, concordam as especialistas, pesquisa não é determinante da qualidade. “Existem milhares de instituições mundo afora que se voltam de forma bastante focada ao ensino e muito pouca à pesquisa”, diz Elizabeth.

“Caso das ‘grandes écoles’ francesas e, aqui no Brasil, do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), cujo principal objetivo é formar excelentes engenheiros, sem tradição em pesquisa.”

O problema, explica, é que pesquisa boa custa caro. Para ser eficiente e relevante, consome uma porcentagem muito grande do tempo de trabalho do professor. 

“A condição básica é ter professores em regime de tempo integral, até para disputar recursos públicos destinados a esse fim. Também é preciso ter uma boa infraestrutura”, afirma Elizabeth.

Na Universidade Católica de Brasília, 5ª no ranking das particulares, 90 dos cerca de 500 professores trabalham em programas de pós-graduação stricto sensu. “Cada um deles tem que dedicar 50% das suas horas de trabalho aos projetos e ao acompanhamento dos alunos, seja em mestrado ou doutorado”, diz Jardelino Menegat, reitor da instituição. Entre 2018 e 2019, foram aprovados 214 projetos, a um custo de R$ 19,7 milhões de fomentos externos. 

A PUC-RS tem 11 programas de pós-graduação com nível de excelência internacional e cerca de 1.700 projetos em andamento. Como também são afetadas pelo contingenciamento, essas ilhas de excelência do setor privado estão buscando parcerias nacionais e internacionais, com apoio do Programa de Internacionalização da Capes.

“Temos incentivado também o compartilhamento interno das estruturas de pesquisa, como laboratórios e equipamentos”, diz Fernanda Marrone, diretora de Pesquisa da PUC-RS. “Outro ponto importante é a busca de parcerias com empresas”, completa.

“Temos uma tradição e não queremos perder a qualidade e a seriedade”, diz Menegat. “Um país que não investe em pesquisa é um país medíocre.”

Entre os projetos de impacto da instituição, está a criação de um dos maiores bancos de dados de câncer colorretal do país, que deve permitir um tratamento mais personalizado e eficiente.

Para as especialistas, em vez de exigir que todas as universidades se dediquem à pesquisa, o governo faria melhor se criasse indicadores de qualidade eficientes para avaliar os cursos de graduação. 

“No que melhora a qualidade de ensino da Anhanguera se ela tiver um doutorado a mais? Ou programas de mestrado com nota 3 na Capes?”, questiona Elizabeth. 

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