Queda de matrículas e alta na evasão desafiam escolas particulares de engenharia

Currículo defasado, com pouca ênfase na prática, é apontado como uma das causas do cenário, de acordo com especialistas

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Fernando Leal
São Paulo

Entre 2015 e 2022, o número de matrículas em cursos superiores de engenharia caiu 25,2%. Somente em 2022, a redução foi de 1,9% em relação ao ano anterior, de acordo com levantamento realizado pelo instituto ligado ao Semesp, entidade que agrega instituições privadas em todo o Brasil. Os números contrastam com a tendência geral de alta na procura por ensino superior no período e, especificamente, com o crescimento de 5,1% no total de matrículas entre 2021 e 2022.

A redução se deu, essencialmente, na rede privada, que reúne o maior número de faculdades com cursos de engenharia e que, mesmo nesse cenário, conta com 58,5% dos estudantes. O levantamento mostra uma queda de 39,9% no total e de 63,7% na modalidade presencial entre 2015 e 2022. Nas faculdades públicas o número de matrículas é praticamente estável.

Além de queda nas matrículas, há outro problema: a evasão nos cursos presenciais só aumenta desde 2010, ainda que com oscilações, e em 2022 foi de 32,5% nas faculdades privadas e de 21,5% nas públicas.

A imagem mostra um pátio de uma biblioteca ao entardecer, com um céu em tons de roxo e azul. No canto superior esquerdo, há uma lua crescente. O pátio é cercado por paredes de vidro que revelam estantes de livros iluminadas no interior. Plantas estão visíveis na área externa.
Biblioteca da Escola de Engenharia da UFMG, em Belo Horizonte - Ana Quintanilha/Leitora

Rodrigo Capelato, economista e diretor-executivo do Semesp, aponta uma forte relação entre os cursos de engenharia e a conjuntura macroeconômica: quando o país cresce, precisa de mais profissionais da área e o mercado fica mais aquecido. Ao mesmo tempo, o poder aquisitivo em alta contribui para que os estudantes tenham condições de pagar mensalidades de cursos mais caros, como o de engenharia.

Porém, a manutenção do quadro de contração das matrículas tem levado especialistas, como o próprio Capelato, entidades de classe e organizações empresariais a buscar outras explicações e unir forças para reverter a situação adversa.

O relatório "O Futuro das Engenharias no Brasil 2023", divulgado pela Mútua – Caixa de Assistência dos Profissionais do Crea (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia), relaciona a baixa atratividade com a qualidade da formação na área.

O estudo indica que, entre 2014 e 2020, houve uma redução de quase 30% no número de candidatos inscritos em processos de seleção para os cursos de engenharia, o que significa cerca de 500 mil jovens. E também aponta que 39,2% dos cursos são considerados de "baixo desempenho", segundo avaliação do Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes).

"As graduações de engenharia são pouco atraentes para as atuais gerações. Ao longo dos cinco anos, os currículos trazem muita teoria e pouca prática. É preciso manter a base sólida e atualizar os cursos", afirma Vinicius Marchese, presidente do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea). "Temos instituições do século 19, professores do século 20 e alunos do século 21, criando um descompasso geracional."

Marchese explica que há um esforço em andamento —envolvendo as entidades de classe, como o próprio Confea, o Ministério da Educação (MEC) e as instituições de ensino— para a implementação de novas diretrizes curriculares, ampliando a ênfase em aulas práticas e contemplando temas como empreendedorismo, inovação, liderança e gestão.

O objetivo é reverter a tendência de falta de engenheiros capacitados. "Os países desenvolvidos formam 3 engenheiros para cada 5 profissionais de direito e administração. No Brasil, esta relação é de 1 para 11", destaca.

Reduzir a distância entre a sala de aula e o dia a dia das obras foi o objetivo da criação, há dez anos, do projeto "Canteiro Aberto" pela Toctao Soluções de Engenharia, que atua nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Norte do país. Em visitas técnicas de estudantes e professores, é apresentada a rotina de uma construção de grande porte. Com a iniciativa, a companhia também atrai possíveis estagiários que estejam cursando entre o 3° e o 9° período do curso de engenharia civil.

"O programa de estágio é a oportunidade que temos de transmitir nossa cultura e, principalmente, capacitar os novos engenheiros na vivência das atividades do dia a dia", comenta Mariana Ribeiro, diretora de qualidade e pós-obra.

A preocupação com a falta de interesse pelos cursos de engenharia chega também a empresas, que vislumbram a ameaça real de falta de profissionais com qualificação adequada. De 2018 a 2022 caiu 24,2% o número de graduados em engenharia. "O impacto é significativo no mercado de trabalho e na capacidade da indústria brasileira de impulsionar a inovação e responder às crescentes demandas tecnológicas. Com menos engenheiros se formando, há menos profissionais qualificados no mercado", afirma Gustavo Leal, diretor-geral do Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), que integra o Sistema Indústria, assim como a Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Segundo ele, a demanda por engenheiros em áreas de tecnologia, mineração e energia renovável está crescendo no Brasil e na América Latina. Porém, a oferta de profissionais qualificados não acompanha a demanda, o que tem levado empresas a contratar engenheiros de fora ou terceirizar serviços. "Temos contribuído com o MEC [Ministério da Educação] para promover a modernização dos currículos e tornar o ensino mais próximo ao que se pratica em outros países", diz.

A engenharia civil é uma das carreiras que vem perdendo mais matrículas nos anos recentes, e o assunto é tema das ações do grupo de trabalho de recursos humanos do Sinduscon-SP (Sindicato da Indústria da Construção Civil em São Paulo). David Fratel, coordenador do grupo, conta que uma pesquisa feita em 2023 revelou o aumento da idade média dos engenheiros em atividade na construção civil, de 30 anos, em 2016, para 37 anos. "É desafiador para os jovens, que são cada vez mais multitarefas e digitais. Buscamos mostrar que o setor está se modernizando, com a digitalização de processos, adoção de ferramentas tecnológicas e o incentivo à inovação", diz Fratel, que também é professor universitário.

Algumas áreas da engenharia em especial têm registrado demanda crescente no mundo todo, e o Brasil não é exceção. É o caso das especializações em energia, por conta da necessidade da transição energética que vem com as mudanças climáticas. As engenharias de computação e software também estão em alta devido à indústria 4.0 e à digitalização dos processos industriais.


RAIO-X DA ENGENHARIA

5.781 cursos de engenharia (presencial + EAD)

Em instituições públicas 1.524
Em instituições privadas 4.257
Presencial 5.129
EAD 652

1.360 instituições de ensino superior (presencial + EAD)

Públicas 166
Privadas 1.194

768. 535 matriculas (presencial + EAD)

Em instituições privadas 58,5%
Em instituições públicas 41,5%

— 25,2%
é a queda no total de matrículas entre 2015 e 2022

2015 – 1.027.468
2022 – 768.535

— 1,9%
é a queda no total de matrículas de 2021 para 2022

QUEM PERDEU, QUEM GANHOU

5 maiores quedas

Engenharia de petróleo — 74,3%
Engenharia civil — 48,5%
Engenharia ambiental e sanitária — 46,5%
Engenharia eletrônica — 43,5%
Engenharia ambiental — 40,5%


5 maiores altas

Engenharia de software 987,1%
Engenharia de computação 121%
Engenharia de transportes 83,6%
Engenharia aeroespacial 65,6%
Engenharia de bioprocessos 56%


Fontes: Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea), com base em dados do Inep/MEC 2024, e Instituto Semesp, com base em dados do Inep/MEC 2022

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