Artigo científico 'blockbuster' catapulta notas de universidades

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Um único artigo científico catapultou as universidades federais mineiras de São João del Rei e de Juiz de Fora para primeiras posições em quesitos do RUF que avaliam a qualidade da pesquisa acadêmica nas instituições de ensino.

Em expediente controverso na ciência mundial, o trabalho –um estudo na área de física publicado no periódico "Physics Letters B" em 2012– foi assinado por mais de 900 pesquisadores, de vários países –incluindo o Brasil.

O trabalho foi um dos que retratou a observação da partícula bóson Higgs, considerada uma das descobertas do século e que ajuda a entender formação do universo.

Para se ter uma ideia do que significam 900 autores, o "Physics Letters B" teve uma média de três autores por artigo em 2012. Há estudos recentes com a assinatura de mais de 5 mil nomes.

Dentre as mais de 900 assinaturas no estudo, onze são de pesquisadores brasileiros, da USP, UFRJ (federal do Rio) e das duas federais mineiras.

A experiência ocorreu no maior acelerador de partículas do mundo, na Suíça.

A controvérsia ocorre porque há pesquisadores num trabalho assim que têm papel lateral na descoberta, mas recebem praticamente o mesmo crédito que os líderes.

Um desses louros é a citação do artigo em outros trabalhos acadêmicos, uma das principais formas de medir o impacto de uma pesquisa.

A quantidade de citações é considerada no RUF para avaliar as universidades. No quesito que mede especificamente o número de citações por docente, por exemplo, a federal de São João del Rei subiu do 32º lugar em 2014 para o 1º lugar no país.

Já a de Juiz de Fora foi de 44º lugar para o 4º posto no mesmo quesito.

Isso aconteceu porque o artigo sobre o bóson de Higgs é uma espécie de "blockbuster": foi citado 1.039 vezes somente em novos estudos publicados em 2013.

Em universidades como a USP ou a UFRJ, que publicam muitos estudos por ano, as citações recebidas em cada artigo ficam diluídas.

Já em São João del Rei, de menor porte (que tem quase um quarto do tamanho da USP), o estudo foi suficiente para, sozinho, dobrar a quantidade de citações recebidas pela escola em 2013.

O levantamento dos dados de impacto foi feito pelo pesquisador em ciência da informação Estêvão Gamba, consultor do RUF.

ALTA ENERGIA
A física Maria Aline Barros do Vale está entre os brasileiros que assinam o estudo –figura sozinha na federal de São João del Rei.

Com doutorado pela UFRJ, ela inaugurou, em 2002, a área de estudos em física de altas energias na escola mineira. Hoje, coordena a pós-graduação em física na universidade de Minas.

Do Vale conta que já esteve no acelerador de partículas na Suíça algumas vezes –nos tempos em que o dinheiro para viagens internacionais científicas era mais farto.

A participação dela no estudo publicado foi mais focada em física teórica –do Vale pesquisa outra partícula, ainda não observada, o bóson de gauge.

"Cada pesquisador presta um serviço diferente", diz. "Há cientista, por exemplo, que ajuda a desenvolver um software que analisa os dados coletados pelo acelerador."

Para George Matsas, do Instituto de Física Teórica da Unesp, investimentos bilionários como do acelerador de partículas gigante exigem milhares de pessoas.

"Mas estamos surfando em onda que não é nossa. Esses estudos não são liderados por brasileiros", diz Matsas.

O físico Leandro Tessler, da Unicamp, concorda: "Uma coisa é colaborar como uma via de duas mãos, em que há interesse mútuo na cooperação. Outra é o que vem ocorrendo com muitas instituições brasileiras, em que você manda especialistas, paga a conta e acha que avançou."

"A distorção [no impacto das universidades por causa desse artigo] não deve ser usada para desvalorizar participação de cientistas do Brasil", afirma Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor-científico da Fapesp (agência paulista de fomento à ciência).

Dados de impacto, no entanto, devem ser analisados com cautela para "filtrar efeitos espúrios", diz Cruz.

Para do Vale, o trabalho tem rendido frutos. Segundo ela, graças à sua participação no estudo, um dos seus ex-alunos de mestrado conseguiu uma oportunidade para desenvolver parte da sua pesquisa de doutorado no acelerador da Suíça.

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